O rompimento de um relacionamento abusivo me deu fôlego suficiente para testar novos vôos e fazer as coisas que eu tinha vontade, mas não tinha feito antes por conta das cobranças que ele me fazia e um destes desejos era viajar. Logo depois, que terminamos emendei duas viagens incríveis. Em duas semanas após o término, estava eu em Buenos Aires. Voltei para São Paulo depois de uma semana na Argentina, troquei as malas e fui passar mais uns dias no Rio de Janeiro para um curso. Foram tempos loucos, em que eu sentia o prazer de fazer diversas coisas pela primeira vez, mas por outro lado, me sentia perturbada.
A minha perturbação vinha do fato de que eu sentia em mim todo o peso da liberdade que eu estava experienciando ali e eu de fato, não sabia o que fazer com ela. Ao mesmo tempo que eram deliciosas todas aquelas experiências, me eram doloridas, pois me remetiam sempre a uma ideia de solitude. Recordava as falas ácidas dele e me culpava. A minha solidão seria o castigo que eu merecia. Afirmava e negava, afirmava e negava. Li “A insustentável leveza do ser” e nunca algo tinha me dito tanto.
“Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”
Por mais que senti o peso, o meu olhar tinha como foco a leveza e foi buscando-a por tantos caminhos, que pude ter experiências incríveis de viagens. Abri mão das minhas certezas e dos meus medos, e fui me deixando levar. A vida me levou para uma viagem à Espanha com hospedagens solidárias através do Couchsurfing, a viagens com amigos pelo litoral paulistano tão pouco explorado, ao refúgio conhecido da minha calma que é o Rio de Janeiro, a uma vila de pescadores a duas horas e meia de barquinho de Paraty com o amor da minha vida. Sim, eu o encontrei pelos caminhos da vida, tentando ele mesmo achar o seu caminho. Foi assim que os nossos se cruzaram e agora temos uma terceira via, que é tão deliciosamente nossa.
As minhas perspectivas de viajar foram, assim, amadurecendo e abandonei as minhas viagens como rotas de fuga, refúgios de mim mesma para entendê-las como mergulhos em mim e quando volto à superfície o que encontro é um espaço cheio de amor, em mim e por mim. As viagens tornaram-se assim experiências muito mais leves e espaços de trocas mais ricos. A todo tempo estamos por aí nos ressignificando e transformando os nossos olhares.
“Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta.”
(Mistério do Planeta – Novos Baianos)