No final de fevereiro de 2016, uma notícia sobre turistas argentinas mortas no Equador, com requintes de crueldade me foi recebido com a mesma dor de outras mulheres diante de mais um caso de feminicídio. Porém, os grandes veículos de comunicação de massa não o apresentaram desta forma. O que se apresentou foi que se tratou de um crime passional, em que as vítimas estavam viajando sozinha e de maneira imprudente, indo ao encontro de dois homens que as assassinaram. Quando li esse tipo de abordagem, fiquei chocada e me senti ofendida pois aquele tipo de fala contribuía para o fortalecimento de uma sociedade, que sempre retorna à culpabilização da vítima. Mais do que isso, um dos pontos de crítica à imprensa que vale ser levantado é a abordagem de que elas estariam viajando sozinhas e isso já era um problema. De fato, elas não viajavam sozinhas, pois tinham uma a outra. Uma afirmativa como esta coloca que elas só estariam acompanhadas, se viajassem com um homem e desta forma, seria uma situação de segurança. Como pontua Julia Faria, do Think Olga,
“A mulher não é entendida como um ser que pode ocupar o espaço público. Afinal, demorou mesmo muito tempo para que ela de fato o ocupasse. Então, ainda somos vistas como seres domésticos – do lar, que cozinha e cuida dos filhos, que recebe o marido no fim do dia de trabalho. Esse olhar é equivocado, claro, mas muito real e muito presente”, explica.
Diante da morte de Maria José Coni, de 22 anos, e Marina Menegazzo, de 21, e da relação conflitante da imprensa, surgiram diversas ações de apoio. Uma estudante paraguaia Guadalupe Acosta escreveu um texto dilacerante sobre a morte das mulheres através da ótica das vítimas. Utilizando-se da primeira pessoa, o texto “Ayer me mataron” problematiza como é uma constante a culpabilização da vítima pela sociedade.
“Pero peor que la muerte, fue la humillación que vino después.
Desde el momento que tuvieron mi cuerpo inerte nadie se preguntó donde estaba el hijo de puta que acabo con mis sueños, mis esperanzas, mi vida.
No, más bien empezaron a hacerme preguntas inútiles. A mi, ¿Se imaginan? una muerta, que no puede hablar, que no puede defenderse.
¿Qué ropa tenías?
¿Por qué andabas sola?
¿Cómo una mujer va a viajar sin compañía?
Te metiste en un barrio peligroso, ¿Qué esperabas?
Cuestionaron a mis padres, por darme alas, por dejar que sea independiente, como cualquier ser humano. Al ser mujer, (el crimen) se minimiza. Se vuelve menos grave, porque claro, yo me lo busqué. Haciendo lo que yo quería encontré mi merecido por no ser sumisa, por no querer quedarme en mi casa, por invertir mi propio dinero en mis sueños.”
Outra corrente de apoio se deu através da #viajosola, que derivou para #travelalone e #viajosozinha apontando a necessidade de se discutir o direito das mulheres de ir e vir sem temer e de combater a violência de gênero tão arraigada em nossa sociedade, que tem o machismo como tônica.
Levando em consideração essas questões, em agosto de 2016, criei um projeto chamado Mulheres Viajantes em meu blog Cafezim e Prosa. Nele, todas as segundas-feiras pela manhã, publico o texto de uma mulher que viaja/viajou sozinha ou entre amigas. Em dezembro de 2016, realizamos o nosso primeiro encontro em São Paulo e esse ano, estou planejando mais alguns. O intuito é de empoderamento feminino e fortalecimento da perspectiva de que temos o direito de ir e vir em segurança, pensando o quanto a sororidade nos pode ser um instrumento de fortalecimento. Aproveito para lhes fazer um convite a participar e escrever um pouco da sua história.
Juntas somos mais fortes!
Publicado originalmente no portal M pelo Mundo
Um comentário em “diálogos: Como o caso das turistas argentinas repercutiu em nós, mulheres?”