Go Sola: como a tecnologia pode ajudar mulheres viajantes

Soube do aplicativo Go Sola através de uma amiga querida, que me contou sobre uma de suas alunas e fui investigar. O projeto é de autoria de duas paulistas, Nana Soma e Giovana Razeira, que sentiram a necessidade de criá-lo como uma reação ao feminícidio das duas turistas argentinas no Equador. O aplicativo Go Sola é uma ferramenta de apoio às mulheres que viajam sozinhas e vai funcionar como um mapa interativo e colaborativo em tempo real. Nele, as mulheres poderão alertar sobre os perigos dos lugares ajudando no deslocamento dos espaços públicos.

O que é viajar para você?

Nana: Viajar é um deslocamento necessário: um deslocar-se por novos lugares, espaços, paisagens, cheiros, texturas, tempos, pessoas e culturas. Também é um deslocar-se de si, sair da zona própria e segura do conforto, um permitir-se a explorar novos ‘eus’, em um processo de autoconhecimento. Não sou daquelas que acredita que uma viagem pode transformar a pessoa em sua essência, ninguém muda radicalmente só por causa de uma viagem, como algumas pessoas insistem por aí; acredito que não é bem por aí, mas penso que se você se conhecer melhor durante esse período, tanto melhor, talvez isso pode ajudar você a resolver algumas questões ou a tornar-se melhor pessoa.

 

Você acredita que o fato de ser uma mulher influencia de algum modo a sua experiência como viajante?

Nana: Ah sim! Vou te contar algo: eu queria muito ir às baladas de Barcelona , mas não fui, porque fiquei com medo de andar sozinha à noite nas ruas de uma cidade maravilhosa, mas que desconhecia. O meu ponto é que, infelizmente, para as mulheres, a questão do deslocamento nos espaços públicos ainda não é pleno: temos medo de andar sozinhas à noite, regulamos as nossas roupas e corpos, andamos depressa em alguns trechos seja para realmente fugir de um estranho ou simplesmente porque queremos sair daquele lugar escuro e ermo o mais rápido possível, além de evitar e/ou enfrentar os assédios cotidianos. São experiências que são carregadas não importa o lugar, se é dito seguro ou não, se é a esquina da sua casa ou uma rua em algum ponto do planeta.

 

Há alguma experiência de viagem que se destaca e você considerou mais especial?

Nana: Hoje eu dou risada, mas foi um sufoco o que eu passei e agradeço imensamente de ter combinado de me encontrar com uma amiga. Estava em Paris , era um dia antes da minha volta para o Brasil e tive uma intoxicação alimentar que foi piorando durante o dia. Então, depois de ter passado o dia só no Centre Pompidou (o museu de arte contemporânea), porque, né, imagina passar o dia só em um único museu, porque você ter que ir ao banheiro (!), fui me encontrar com essa amiga no final da tarde e a essa altura eu já estava branca. Enfim, depois de comprarmos remédio, ela me acompanhou até o prédio onde estava hospedada. Me hospedei pelo Airbnb, então era um prédio residencial daqueles típicos de Paris: sem porteiro e com um apartamento na altura da rua. Para entrar, tinha que digitar uma senha. Adivinha? Não tinha levado comigo nem anotado no meu celular a senha e muito menos lembrava o número. Tentei entrar em contato com o proprietário, nada. A bateria do celular acabou. Aí, bati na janela do apartamento térreo: uma adolescente japonesa me atendeu. E para explicar para uma completa desconhecida ter o mínimo de confiança em mim de que eu estava hospedada no prédio e tinha esquecido o número da senha? Eu não sei falar em francês, ela tampouco entendia o meu inglês. Olha! Aí, entra minha amiga, que sabia um pouco de francês. E mesmo assim, foi difícil convencer ela abrir a porta. Agora, imagina se eu realmente tivesse ido para o prédio sozinha e não tivesse convencido a adolescente a abrir a porta? Nem quero pensar!

 

Como surgiu a ideia de criar o aplicativo?

Nana: Surgiu após a notícia das argentinas terem sido assassinadas no Equador e rolou a discussão na internet sobre o fato de mulheres viajarem sozinhas, no sentido, de um lado, posições machistas de que mulher não pode viajar sozinha, e sozinha aqui na falta do homem, porque elas estavam em duas. E do outro lado, as posições feministas contrárias a esse discurso. Pouco depois, surgiram blogs e vi um projeto de uma conhecida sobre esse tema e aí, aconteceu o estalo. Porque não criar um aplicativo de viagens apenas para as mulheres?

 

Quais são os planos para dar continuidade ao projeto?

Nana: Como fazer um aplicativo é muito caro e não temos recursos financeiros, no momento, vamos criar uma versão beta para computadores. Claro que essa versão desktop será uma versão mais básica: ela será mais voltada muito mais para uma questão de mobilidade urbana do que viagem, por exemplo. E também queremos nessa primeira fase, focar no marketing digital para ampliarmos a nossa audiência e conquistarmos um público para conseguirmos lançar uma campanha de crowdfunding e assim, angariarmos uma verba para fazer o app ou uma parte dele, caso firmarmos parcerias e patrocínios.

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