Em janeiro de 2017, depois de alguns meses vivendo numa cidade da Inglaterra, eu fiz um mochilão. E foi em Berlim que eu cheguei sozinha, permaneci sozinha e fui embora sozinha.
Para não ficar um texto longo, contarei brevemente sobre alguns lugares que passei.
Do avião, sem saber uma palavra em alemão, eu vi aquela cidade coberta de gelo e me perguntei o que eu estava fazendo ali, sozinha.
Sem internet, e sem o mapa da cidade, eu cheguei à estação que me levaria ao hostel. Foram alguns minutos de caminhada e um ônibus de graça, um gesto de gentileza, já que eu e o motorista não nos entendíamos. Foi ali, naquela estação, que meu coração começou a sentir a alegria de estar naquele lugar.
Meia hora no trem, talvez mais. Os estímulos visuais e sonoros eram tão intensos que eu me esqueci do tempo. Eu só conseguia repetir em pensamento: descerei na Schöneweide, descerei na Schöneweide, imagino que com a pronúncia incorreta, mas eu precisava gravar. Seria ali a minha referência dos próximos dias. Era pra lá que eu deveria voltar quando eu estivesse cansada. Era esse nome que eu deveria lembrar depois de possivelmente apreciar alguma cerveja alemã. Era só lembrar que a “minha” estação era a que lembrava “Snowden”. Uau! Ótima associação. Certo, talvez não seja tão similar, mas essa associação me fez algum sentido. E lembrar que eu estava na “estação Snowden” era só um roteiro caprichado nessa história de estar na Alemanha, sozinha.
Mapa em papel nas mãos, daqueles cheios de propagandas, distribuídos gratuitamente em hostels, eu segui em direção à East Side Gallery, a maior parte do muro de Berlim que ficou em pé e que hoje é suporte para grafites e outras artes urbanas contemporâneas. Em outros cantos da cidade você também consegue encontrar partes do muro, além do memorial do muro de Berlim, que mostra um pouco dessa trajetória bilateral.
Neste momento, a paisagem já ilustrava o meu encanto pela cidade, ela respira a sua política e a sua história. Olhei para o rio Spree e segui em sonhos e devaneios utópicos sobre uma sociedade mais justa com cidades mais democráticas. Mas logo voltei o meu olhar para o muro e a cidade me lembrou que no meio de tudo isso, ou acima, existe um gigante chamado capitalismo. Acordei e continuei a caminhar (ironicamente) em direção à Karl Marx Allee. Foi por esse caminho que encontrei no chão um mapa mais detalhado. Penso que foi um presente da cidade.
No meio do caminho, na Warschauer Straße, eu parei para tomar uma cerveja e comer um currywurst vegetariano (salsicha de seitan com batata frita) foi o suficiente para eu saber que nunca mais quero comer nada feito de seitan (proteína de glúten).
Pernocas para cima e para baixo, (mentira, lá é bem plano) eu me apaixonei pela estação Alexanderplatz, uma estação central de trem, metrô e tram (bonde). É uma das principais estações da cidade. Perto da Torre de TV, da Catedral e da Ilha dos Museus (tem esse nome por abrigar cinco museus, entre eles o Pergamon e o Neues Museum, super recomendo os dois). Foi nessa região que eu me senti muito segura caminhando sozinha durante a noite em um lugar deserto, mas também foi lá, na saída de um paraíso chamado primark, que eu desconfiei da intenção de um homem em me furtar. Mas foi só olhar para ele com aquela cara de “rapaiz!”, que ele logo deu pista. Foi lá também que eu experimentei o primeiro lámen da cidade (na Europa eu aprendi a gostar muito desse prato oriental super tradicional).
Como uma boa paulistana, eu sempre me apaixono pela dinâmica dos transportes, e o metrô de Berlim não deixou a desejar – muitas linhas e estações coloridas onde muitos trabalhadores seguram uma garrafa de cerveja de volta pra casa numa sexta-feira à noite.
Das sortes da viagem, o atendente do hostel falava português, isso me deixou mais tranquila, mais em casa, mesmo quando ele me perguntou se eu gostaria do “pequeno almoço” (ele era italiano e falava o português de Portugal). E durante nossas conversas do outro lado da rua, no pequeno almoço, ouvi histórias sobre dois ou três alemães, de cidades vizinhas a Berlim, que moravam no hostel. Em geral costumam ser jovens (por volta dos 30) que saem de casa para “morar” sozinhos. Um deles passou uma noite no meu quarto, que era coletivo. Ainda bem que também estavam um casal de brasileiros, caso contrário eu dormiria na recepção, já que o tal alemão dormiu com um soco inglês na mão (que medo!).
No terceiro dia, o sol começou a aparecer e eu comecei a dormir melhor, as caminhadas ganharam ritmo e eu passei pelos clássicos da cidade – Palácio de Reichstag (parlamento) e Portão de Brandemburgo, onde pude ver manifestações sobre políticas agrícolas, mulheres contra a posse de Trump e uma cena comum em todos os dias que passei pelo portão – velas e flores em memória da Palestina.
Foram cinco dias intensos, o Memorial do Holocausto foi um dos lugares mais marcantes que eu já conheci na vida. Ele fica entre o Portão e a Rua Hannah Arendt.
Era inverno e eu estava naquele lugar que causa tristeza e melancolia. Fiquei sozinha no quarto que seria coletivo. Era apenas eu, o mundo e aquele lugar transbordando memória. Eu precisava aproveitar cada minuto.
Caminhei até um memorial sobre o Nazismo, Topografia do Terror é um lugar necessário – lembrar para não repetir – mesmo causando vertigem.
Finalizei meus dias de autoconhecimento misturado com aula in loco de história no Memorial do Muro de Berlim. Andei por todo o complexo, que ocupa alguns quarteirões, reflexiva e profundamente tocada por aquele espaço.
Pela curiosidade e oportunidade, não deixaria de passar no CheckPoint Charlie, um lugar que se tornou símbolo da Guerra Fria, representando a separação entre Alemanha oriental e Alemanha ocidental, mas confesso que achei a “cenografia” um tanto comercial, turística e quase teatral se comparada aos outros lugares que conheci. Pelo deslocamento, me dei de presente uma pausa para outro lámen.
Dizem que eu não cheguei nem perto do que é o melhor de Berlim, fui durante o inverno e sozinha. Aquele velho ditado de que nós fazemos o lugar nunca me fez tanto sentido, porque foi essa cidade que virou alguma chavinha de autoconhecimento aqui dentro. Ela me serviu de espelho, refletiu suas tristezas e suas belezas; seus muros e suas arestas.
Por Simone Moraes
@simoraess
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