Tive filho cedo. Gabriel nasceu e eu contava com 18 anos, apenas. É óbvio que há dor e delícia nesse caminho. Uma consequência imediata: nunca tinha viajado sozinha; no meu contexto socioeconômico não era possível fazer isso antes da maioridade. Depois do baby, viajar sozinha pressupunha deixá-lo sem mim. Nos primeiros anos, nem preciso contar; totalmente inviável. Nos anos seguintes… trabalho, sustento, faculdade, namoro, casa… essa espiral de ocupações que toda adulta contemporânea cheia de obrigações conhece. Não me lembro de conseguir fazer nada sozinha; a ideia de viajar sozinha, livre, leve e solta sequer passava pela minha cabeça. Eu era incapaz de imaginar todos os arranjos prévios necessários para me ausentar. Com todas as minhas atividades… e como conseguir pessoas disponíveis o suficiente para ficar com o pequeno por dez dias? Complicado.
Até que um dia, no ano de 2008, recebi por e-mail uma reportagem da Eliane Brum contando sobre um retiro de meditação em silêncio. Li aquela matéria e fiquei repleta de emoções. Lembro-me de ter pensado: “Eu ainda vou fazer esse retiro!”. E guardei essa ideia numa nota mental. Somente em 2010 se tornou viável. O pequeno já não era tão pequeno: quase 12 anos, tinha abandonado um trabalho e estava em transição para outro, tinha – e ainda tenho – um companheiro super parceiro que topou tomar conta de tudo na minha ausência. E lá fui eu com meu banquinho de meditação a tiracolo.
Sensações muito estranhas. Viajei de ônibus para um cantinho do Rio de Janeiro . Fazer malas sozinhas. Pegar ônibus sozinha. Gastar algumas horas na praça. Fazer amizade com um cachorro de rua. Gerenciar sem nenhuma negociação o meu tempo nas primeiras horas. Sentir insegurança. Sentir dúvida. Sentir saudades. Um bando de novidades. Todas juntas.
Chegando ao local, o retiro Dhama Santi, em Miguel Pereira, entreguei celular e assinei o compromisso de não me comunicar com ninguém nos próximos dias – coisas protocolares. Não vou relatar o retiro, pois Eliane Brum foi super fidedigna e escreve incrivelmente melhor do que eu. Link aqui.
Só posso dizer que foi uma experiência inesquecível em muitos aspectos. O retiro é super intenso, cheio de descobertas sobre a simplicidade que é a vida. Teve de tudo: apreciei, sofri, chorei, ri, fui cuidada, meditei – principalmente meditei. É uma experiência que ainda desejo repetir algum dia.
Depois de dez dias navegando em mares profundos do eu, só concentrada em mim e na meditação, comecei o retorno ao mundo dos outros. Voltei a falar aos poucos, com as colegas de quarto. Ao recuperar o telefone, liguei pra casa e conversei com “meus meninos”, ainda com a fala lenta e o pensamento arrastado. Disse pra eles da saudade, perguntei se tudo estava bem. Depois das atualizações mínimas e necessárias, o marido ainda teve tempo de me dizer: “não aconteceu nada no mundo”. E eu, com a cabeça pra lá de zen, disse: “Como?” e ele repetiu: “Não aconteceu nada de importante no mundo. Nada desabou, caiu, destituiu. Nada sério.” Eu agradeci o cuidado e me dei conta de que não estava preocupada com isso. Afinal, tanta coisa enorme tinha acontecido dentro de mim.
Rosângela Neves
36 anos. Tinha 30 na ocasião da primeira viagem.